O Mito de Paulo “Livre da Lei” entre Judeus e Cristãos — Mark D. Nanos
Mark D. Nanos (University of St. Andrews, Escócia) é professor na University of Kansas. Entre suas publicações estão The Mystery of Romans (1996) e The Irony of Galatians (2002). Ele é co-editor do Paul within Judaism (2015) e autor de muitos artigos que podem ser encontrados em seu site https://marknanos.com.
[1][2] Desde o surgimento da alta crítica, muitos acadêmicos cristãos e judeus concluíram que Jesus era a favor da Torá, defendendo que nem mesmo um jota ou um til da Torá deveria ser removido (Mt 5,18). Assim, nenhum desacordo aparente que Jesus teve com os fariseus ou qualquer outro grupo judaico rival foi sobre a continuação do papel da Torá em si, porém, sobre interpretações concorrentes de como aplicar a Torá. Mas esta nova abordagem não se estende ao Apóstolo Paulo. Na verdade, essa nova abordagem sobre Jesus tem aumentado exponencialmente a tendência de representar Paulo como alguém que desvalorizou a Torá e fundou o cristianismo.[3] Agora Paulo, não Jesus, por sua aparente conversão da Torá para Cristo, fundamenta as diferenças entre estas comunidades de fé.[4] Jesus praticou o Judaísmo, por mais diferente que sua halakhá tenha sido da de seus rivais, Paulo não. Com seu anúncio da chegada do reino de Deus, Jesus procurou refinar a interpretação dominante da Torá; Paulo abandou-a completamente. Desta forma, ironicamente, uma proposta central do cristianismo, que é “não judaísmo”, e do judaísmo, que é “não cristianismo”, gira em torno do retrato predominante do Paulo “livre da Lei” (ou melhor, “livre da Torá”) e seu suposto “evangelho livre da Lei” (ou melhor, “evangelho livre da Torá”), ao invés de ser em torno de Jesus e seus ensinamentos.[5]
Quando cristãos celebraram Paulo como o apóstolo do “evangelho da libertação da lei”, tal título destaca o problema da polêmica no trabalho a nível ideológico. “Torá” significa “Ensinamento” ao invés de “Lei”. Torá não é simplesmente o ensinamento de mandamentos ou rituais, mas um estilo de vida que estima os interesses de Deus e da criação de Deus. O “mandamento do amor” citado por Paulo (e Jesus) é do coração da Torá, Levítico 19,17–18. A Torá inclui o ensinamento de liberdade, um valor basilar para o judaísmo assim como para o cristianismo. A liberdade é o coração da celebração do Shabbat e Pessach, assim como muitos mandamentos que ordenam o tratamento humano dos outros, raciocínio que se estende ao tratamento dos animais.[6] É por causa da liberdade que a responsabilidade com Deus e um para com os outros é enaltecida na Torá. E a palavra “evangelho” também comunica um conceito central do Judaísmo, a mensagem de bem para Israel, e essas novidades que os arautos de Israel trarão a todas as nações (por exemplo, Is 52,6–10, confira Rm 10,15).[7]
Em resposta da forma que o judaísmo é retratado nas interpretações cristãs de Paulo, os judeus tradicionalmente o caracterizam como um apóstata que falhou em entender a Torá ou a rejeitou por causa de suas próprias inadequações. Mesmo tratamentos generosos de Paulo hoje concluem que seu ensinamento de Torá indicam um estilo de vida religioso que não representam o judaísmo, em vez disso, defende o oposto.[8] No entanto, o próprio Tanakh, bem como as formas tardias do judaísmo enfatizam a graça de Deus e fé, como Paulo fez. Nós encontramos essa visão mesmo entre halaquistas extremistas como a comunidade dos Manuscritos do Mar Morto, e essa ênfase continua no judaísmo até os dias atuais. Basta consultar as orações rabínicas da manhã para reconhecer que enquanto respondem ao chamado de Deus para a responsabilidade, os judeus também olham para a benignidade, graça e perdão de Deus.[9] Essas ações realizadas, assim como para os cristãos, são em resposta de gratidão para o cuidado de Deus e o relacionamento de aliança dentro do qual esse povo tem entrado.
Ambos desses pontos de vista polêmicos sobre o outro dependem em certa medida da interpretação da linguagem de Paulo e suas intenções. Cada comunidade depende dessas escolhas para se proteger, para fazê-los diferentes do outro, para mostrar seus próprios impulsos e sistemas religiosos como superiores. O que cristãos poderiam celebrar como liberdade, judeus poderiam ridicularizar como antinomismo, ilógico, prejudicial; o que judeus poderiam celebrar como um chamado especial e obrigação sagrada, cristãos poderiam ridicularizar como escravidão, interesse próprio e passado. Membros de ambas as comunidades querem deixar claro que cristianismo não é como judaísmo e judaísmo não é como cristianismo. Consequentemente, é difícil e ameaçador considerar seriamente uma leitura diferente de Paulo em relação à Torá que possa minar essa dicotomia; que é ideologicamente relevante fazê-lo em uma era de reconciliação cristão-judaica é auto evidente.
Sugiro que o retrato predominante de Paulo anunciando um “evangelho sem lei” e ensinando uma vida “liberta da lei” para todos os seguidores de Cristo representa um profundo erro de leitura de seus textos. Para judeus, tais como ele, Paulo não ensinou o fim da Torá, incluindo as normas dietéticas judaicas. Mas ele defendeu que seguidores não judeus de Jesus não deveriam se tornar judeus, que eles nunca deveriam estar sob a Torá da mesma forma que os judeus estavam. Paulo observou a Torá como uma questão de fé, como incumbindo de si mesmo como um fiel seguidor em Cristo. Ele também afirmou a Torá inequivocamente, proclamando que as boas novas em Cristo a “estabeleceram” (Rm 3,31); ele foi tão longe a ponto de declarar a Torá “espiritual” (Rm 7,14). Em suas cartas aos não-judeus estava em questão como eles deveriam se tornar membros do judaísmo, de uma comunidade político-religiosa e seu estilo de vida, sem se tornar judeu etnicamente, isto é, sem se tornar membro de Israel. Eles permaneceram assim sem “vantagens” oferecidas pela Torá (Rm 3,1–2; 9,4–5), mas também sem a responsabilidade “plena” de observar a Torá como ele e outros judeus crentes em Cristo (1 Cor 7,17–24; Gl 5,3). Esse misto de pessoas diferentes, mantendo as suas diferentes identidades étnico-religiosas e, portanto, diferentes relações com a Torá confundiram parte de seu público original, provocando-o a escrever cartas na intenção de esclarecer essa proposta, entretanto elas enganaram intérpretes posteriores que leram suas instruções para não-judeus em particular como se fossem verdades universais que Paulo aplicou sem distinção para todas as pessoas, incluindo judeus.
Existem interpretações alternativas viáveis para cada texto do qual a visão tradicional e prevalecente do mito do Paulo livre da Torá e seu suposto evangelho livre da Torá foram construídos. Assim, esses retratos tradicionais de Paulo não precisam delimitar as possibilidades para as conceituações contínuas de cada comunidade sobre a outra; há novas perspectivas que prometem relações mais positivas daqui para frente. Demonstrarei isso em um exame do tratamento de Paulo dos mandamentos dietéticos judaicos, um tópico que é central para a construção tradicional e prevalecente de Paulo como um “livre da Torá”. Primeiro, voltamo-nos para uma discussão geral da identidade e comportamento judaico de Paulo.
Paulo como um judeu observador da Torá
Que Paulo observou a Torá de acordo com as convenções haláquicas para um judeu de seu tempo e lugar — incluindo normas dietéticas — estaria de acordo com a lógica de sua retórica. Ele reivindica ser judeu, na verdade, um judeu irrepreensível (2 Cor 11,22; Gl 2,15; Fl 3,3–6).[10] Ele argumenta em 1 Cor 7,17–24 que todos devem permanecer no estado em que estavam antes de responder à mensagem do evangelho, portanto, no seu próprio caso, deveria ser esperado que ele permanecesse no estado da circuncisão.[11] Ele argumenta que o que importa além de tudo para todos não são suas diferentes identidades, mas “guardar os mandamentos de Deus” (v. 19).[12]
Como esta lógica se aplica a Gálatas 3,28, onde Paulo declara que entre esses que estão em Cristo há unidade, e, portanto, “não há judeu nem grego, nem escravo ou liberto, nem homem nem mulher”? Na visão tradicional, isso indica que Paulo eliminou as diferenças étnico-religiosas. No entanto, Paulo e suas comunidades sabem muito bem que existem diferenças entre escravos e livres, entre homens e mulheres, e que ele deu instruções diferentes para cada um. Ao invés disso, nesse texto, Paulo está elaborando sobre a eliminação de discriminação entre seguidores de Cristo, e não ignorando o fato de que as diferenças permanecem para essas díades, incluindo a diferença étnico-religiosa entre judeus e gregos.
O argumento de Paulo em Gl 5,3 é derivado da manutenibilidade de sua própria identidade judaica. Lá, seguindo a sua decisão de ser fiel a Cristo, ele argumenta contra seu público não-judeu se tornando judeus prosélitos, afirmando que se alguém é circuncidado, é obrigado a “observar toda a Torá”. Esse argumento não faria sentido, ao ponto de minar sua autoridade, se seu público pensasse que ele, um judeu circuncidado, não observou a Torá completamente.
Alguns podem argumentar de que Paulo tentar dissuadir os gálatas da circuncisão e nesses termos mostra seu desgosto com a Torá. Ao contrário, a intenção de Paulo é subverter não a Torá, mas sim a autoridade daqueles que seu público pode supor que representam seus ideais. Ele critica sua concorrência, sugerindo que eles banalizam as vantagens da identidade baseada na Torá quando evitam deixar claro o custo envolvido. Da perspectiva de Paulo, as supostas boas novas que eles apresentam como um complemento a fé em Cristo, chamada, conversão prosélita, são “boas novas” rivais às “boas novas” em Cristo para não judeus, que não devem se tornar judeus ou membros de Israel, de acordo com o evangelho de Paulo. Embora a conversão prosélita aparentemente resolvesse seus dilemas sociorreligiosos fazendo deles não meros visitantes, mas prosélitos — e, portanto, membros integrais da comunidade judaico em termos étnico-religiosos — na verdade, compromete a proposição do evangelho de que o fim dos tempos começou com a reunião das nações ao lado de Israel. Além disso, a conversão prosélita incorre na obrigação de observar plenamente a Torá. Paulo, portanto, planta sementes de desconfiança na confiabilidade dos motivos e ensinamentos de seus concorrentes.[13]
Em outras palavras, Paulo está envolvido em polêmicas intra-judaicas precisamente sobre como interpretar a Torá e não em uma depreciação da observância da Torá. Os rabinos similarmente alertam os potenciais prosélitos das enormes responsabilidades que acarretam essa transformação de identidade.[14] Paulo entende que obscurecer esse fato em si não é justo; isso falha em defender um ideal central da Torá, o imperativo de amar o próximo como a si mesmo (Lv 19,18; Rm 13,8; Gl 5,14).
Havia significantes diferenças entre o judaísmo de Paulo e de seus discípulos e outros grupos judaicos que não confessaram a Jesus Cristo. Mas essas diferenças não encontram uma expressão em depreciação da Torá, ou reações a tais pontos de vista. Ao invés disso, eles estão focados no significado de Cristo para as pessoas e Israel que observam a Torá e para as pessoas do restante das nações para quais Israel deve proclamar Cristo. As tensões sobre a interpretação da Torá surgem principalmente sobre a afirmação de Paulo de que as nações são co-membros plenos do povo de Deus e ainda não sob a Torá porque não são membros de Israel, mesmo depois de decidirem pela fé em Cristo. Para Paulo, se Jesus é o prometido é uma questão independente de se a Torá continua a definir o que foi prometido, e por quê, e como esses de Israel que definem a si mesmos pela Torá viverão.
Em questão nas cartas de Paulo está como retratar justiça para esses de outras nações. A interpretação paulina tradicional dominante não enfatiza essa contínua diferenciação étnica entre as nações e Israel.[15] Muitas vezes citando como evidência Gl 3,28, isso interpreta que Paulo universalizou todas as diferenças étnico-religiosas, então deve-se aplicar toda sua instrução para todos igualmente, fazendo imaterialmente nenhuma distinção, incluindo a judaicidade como uma identidade ou um estilo de vida.[16] Quando combinado com a interpretação tradicional de Gl 4,8–10, que entende que Paulo está construindo uma analogia entre as observâncias do calendário judaico (incluindo o Shabbat) e a idolatria, isto logicamente gera um ensino paulino que privilegia uma identidade não judaica e as normas de comportamento para seguidores de Cristo.[17] Eles apresentam “livre da Torá” como um ideal de estado universal para todos os crentes em Cristo, e não como aplicável a gentios de formas que não se aplicam a judeus crentes em Cristo.[18] Assim, eles afirmam que o ensino paulino, por definição, mina a própria essência da identidade judaica e israelita como separada por Deus da de outros povos e nações, e não judeu torna-se equivalente a universal. Ao mesmo tempo, logicamente, a fé em Cristo agora se torna uma marcação identitária étnico-religiosa que separa seguidores de Cristo de todos os outros, incluindo judeus, tornando-a não mais universal do que o judaísmo, com o qual as interpretações tradicionais, bem como as da “nova perspectiva”, criticam por traçar fronteiras étnico-religiosas entre Israel e o nações.
Os Atos dos Apóstolos e a Epístola de Tiago[19] confirmaram que Paulo ensina que a Torá é estabelecida por Cristo, que a fidelidade de Cristo exemplifica a justiça, que essa justiça foi primeiro em Israel e agora é o papel especial de Israel declarar essa justiça a todas as nações. Qualquer um que acredita em Jesus é obrigado a viver em justiça, como qualquer um que acredita na Torá. Em nenhum dos casos o objetivo de buscar a justiça é realizado para iniciar o favor de Deus.[20] Ambos judeus e seguidores de Cristo decidem serem fiéis para manter a posição correta na relação de aliança que apresenta obrigações e ambas das partes. Qualquer coisa que não seja a busca do que é certo representaria uma contínua escravidão ao pecado, quando a escravidão a Deus, o justo — aquele que faz o que é certo e julga de acordo — é a alternativa desejada (cf. Rm 6–8).
As ameaças aos não judeus dentro das comunidades judaicas cristãs fundadas por Paulo foram, por um lado, reações hostis de sua comunidade local “pagã” para evitar sua participação em cultos cívicos e familiares, tentando esses não-judeus a continuar ou a retornar a praticar rituais idólatras para afastar tais hostilidades (por exemplo, 1 Ts 2; 1 Cor 8–10, discutido abaixo; Gl 4,8–10;[21] Fl 3[22]), e por outro lado, a tentação de superar tais problemas de identidade étnico-religiosos fazendo a conversão prosélita além de confessar a Cristo. Esses enigmas de identidade social surgiram em grande parte da maneira de Paulo ensinar aos não judeus que eles não eram mais idólatras e, no entanto, também não estavam se tornando judeus, mas sim membros de grupos judeus de outras nações, representando a assembleia dos justos de todas as nações no alvorecer da era vindoura (Rm 15,7–12).
Por que Paulo se opôs a essa transformação de identidade étnico-religiosa em judeus e israelitas através da conversão prosélita, qual teria provavelmente facilitado, se não eliminado, muitos dos sofrimentos e confusões dos seguidores gentios de Jesus? A interpretação tradicional sobre Paulo argumenta que além de obstruir o apelo universal do evangelho, ele considerou Israel/judeus como uma identidade inferior ligada a Torá, portanto, passada. Ele prenderia esses seguidores de Cristo em justificação pelas obras. Isso poderia escravizá-los à Torá. Esses não-judeus, são na verdade, membros de um novo ou espiritual Israel, que é superior ao Israel carnal. A visão da “Nova Perspectiva” argumenta que é por conta de marcas ou limites identitários da Torá tais como a circuncisão, a observância do Shabbat e as leis dietéticas que foram abandonadas, e observá-los poderia enganar esses não judeus no problema judaico aparentemente essencial do exclusivismo etnocêntrico. Por definição, apenas a universalização da igreja poderia libertar o Israel carnal desse problema, deixando em Cristo nem judeu nem grego.[23] Embora os proponentes desta perspectiva tenham de outro modo minado amplamente a base cristã tradicional para a avaliação negativa do judaísmo e da Torá, eles continuam a sugerir que alcançar a posição de prosélito judaico escravizaria os seguidores de Cristo a um estilo de vida imaturo, porque eles devem ser idealmente “livres” da Torá em sua suposta nova religião, o cristianismo.[24] Esses são aspectos da visão da “Nova Perspectiva” que procuro desafiar.
Em vez disso, eu afirmo, Paulo insistiu que os não-judeus devem permanecer não-judeus e, portanto, não se submeter à Torá nos mesmos termos que os judeus, porque isso comprometeria a verdade proposicional do evangelho de Cristo de que o fim dos tempos chegou. Essa proposição sustenta que com a ressurreição de Cristo e a chegada do Espírito a era esperada começou, quando todas as outras nações reconhecerão o Deus de Israel como o Deus Único, o Deus Criador de toda a humanidade. Nesta era, os não-judeus seguidores de Cristo são obrigados a dar testemunho da justiça expressa na Torá, ou seja, o amor a Deus e ao próximo, mas como representantes de outras nações, e não como membros de Israel e sua aliança mosaica. Esta era representa o cumprimento da aliança de Deus com Abraão, trazendo bênçãos a todas as nações por meio de sua semente. Mas os não-judeus se tornando judeus pela conversão do prosélito, simbolizada pela “circuncisão” para os homens — que nas cartas de Paulo serve como uma metonímia para a conclusão do rito da conversão do prosélito, assim como as “obras da lei” — minaria a mensagem de que o bem esperado por Israel e as nações chegaram agora em Cristo Jesus.[25] A proclamação desta proposição era a vocação de Paulo: ao contrário de seu “antigo” entendimento de que os não-judeus devem se tornar membros de Israel para se tornarem membros da família de Abraão (Gl 5,11; cf. 1,23; Rm 3,28–4:25), este é o “modo de viver no judaísmo” da nova era para o qual ele foi chamado por Cristo (Gl 1,13–16).
Essa posição era simples, mas confusa, e trouxe muitos problemas para os primeiros crentes não-judeus no evangelho de Cristo, e para os judeus que proclamavam esta mensagem. Criou a necessidade de uma nova categoria étnico-religiosa para identificar esses crentes. Eles não eram mais idólatras e, portanto, não representavam mais o status quo das nações de onde vieram. Mas eles não eram israelitas, nem judeus e, portanto, não adoravam o Deus de Israel nos mesmos termos que os judeus. Nem judeus étnicos que não compartilhavam sua fé em Cristo, nem suas próprias famílias e vizinhos idólatras os viam como membros plenos. Em vez disso, eles eram apenas convidados ou simpatizantes da comunidade sócio étnica que praticava o judaísmo. No entanto, deveriam compreender-se como membros do modo de vida judaico, do judaísmo, do povo de Deus (cf. At 15). Sua posição de igualdade com os judeus foi legitimada pela fé em Cristo, o fiel representante do plano de Deus para reconciliar todas as nações igualmente.[26] Eles não eram, portanto, judeus ou israelitas, mas membros de um certo judaísmo, de um subgrupo judaico, de uma coalizão judaica, do judaísmo da fé em Cristo, o judaísmo de Paulo pós-Damasco.[27]
Essa maneira sutil e controversa de incorporar não-judeus à vida comunitária desse subgrupo judeu levou a muitos problemas sociais, bem como à confusão no próprio senso de identidade desses gentios. É neste contexto que podemos entender a relativização de Paulo de todas as identidades para a identidade compartilhada da fé em Cristo. Isso inclui sua própria identidade altamente estimada e honrada como judeu (por exemplo, Fl 3,4–16), uma identidade sócio religiosamente vantajosa dentro da comunidade judaica, e uma identidade que evita respeitosamente os cultos idólatras dentro da comunidade mais ampla, incluindo aqueles relacionados ao culto imperial, mas uma identidade que ele nega ao seu público não-judaico, uma vez que eles não podem tornar-se prosélitos de acordo com o seu ensino. A categoria “cristão” ainda não existe, mas ele deve fazer com que esses não-judeus percebam que não estão mais identificados com os deuses das outras nações, nem estão a caminho de se tornarem membros da nação de Israel, embora eles agora adorem o Deus de Israel como o único Deus de toda a humanidade. Essa identidade amorfa, que não corresponde às linhas comunais que definem a identidade sociorreligiosa em ambos os lados da divisão entre judeus e gentios, cria confusão e marginalização em ambos os lados. É algo que os não-judeus em comunidades crentes em Cristo procuram entender ou escapar, alguns tentando se tornar prosélitos (na Galácia), outros supondo que substituíram os judeus (em Roma, independentemente da instrução de Paulo). Paulo respondeu a esses desenvolvimentos em suas cartas. Ele abordou alguns dos problemas que surgiram entre eles a partir dessa proposição controversa da “verdade do evangelho”: que esses não-judeus seguidores de Cristo são agora membros do judaísmo, do povo sociorreligioso do Deus de Israel, que o Deus Único de todas as nações incorpora na ekklesia sem desidentificá-los religiosamente etnicamente como judeus ou membros da nação de Israel. Eles estão, portanto, sem o mesmo relacionamento com a Torá que se aplica aos membros judeus. Ao mesmo tempo, porque esses gentios agora são membros da comunidade judaica, eles não estão sem relação com as normas de vida definidas pela Torá, incluindo práticas alimentares quando entre os judeus.
Paulo e as Normas Dietéticas Judaicas
Não é possível, neste contexto, discutir todas as passagens relevantes sobre a observância da Torá de Paulo, ou o vasto corpus de literatura secundária que assume esmagadoramente (quando não argumenta explicitamente) que Paulo deixou o judaísmo, era livre da Lei e ensinou uma Evangelho sem lei. Em vez disso, vou me concentrar no tópico mais discutido nesse contexto, um dos assuntos que destaca o que está em questão na discussão de Paulo e da Torá, ou melhor, a versão de Paulo do judaísmo crente em Cristo: Paulo comeu de acordo com normas dietéticas judaicas ou acreditou que outros seguidores judeus de Cristo deveriam? E quanto aos seguidores de Cristo gentios; eles deveriam observar as normas dietéticas judaicas? Os textos primários para esta discussão incluem Gálatas 2,11–15, o chamado Incidente de Antioquia, quando Pedro deixou de comer com os gentios porque temia “os da circuncisão” após a chegada de “certos de Tiago”; 1 Coríntios 8–10, a questão de comer em ambientes idólatras ou de alimentos que foram usados em ritos idólatras; e Romanos 14–15, a respeito de como os “fortes” devem se comportar em relação aos “fracos” na fé.[28]
O Incidente de Antioquia
Em Gálatas 2:11–15, Paulo informa seu público sobre um incidente anterior na Antioquia da Síria, quando confrontou Pedro por falta de fidelidade à verdade do evangelho, porque Pedro, seguido pelo restante dos judeus, retirou-se de comer com os gentios após a chegada de “certos de Tiago”.[29] Assim, para Paulo, as refeições mistas que eles celebravam antes dessa violação da conduta comunitária significavam a “verdade teológica da mensagem do bem” em Cristo.
A leitura tradicional deste texto, que continua nas análises da “Nova Perspectiva”, entende que os “certos de Tiago” representam a visão ideológica da igreja de Jerusalém de que o movimento de fé em Cristo continua a ser um subconjunto da vida comunitária judaica, do judaísmo, de uma forma que supostamente colide com o ponto de vista de Paulo.[30] Assim, Tiago e a igreja de Jerusalém, o chamado cristianismo judeu ou palestino,[31] afirmaram que as refeições deveriam ser conduzidas de acordo com as normas dietéticas haláquicas vigentes. Além disso, eles sustentavam que os crentes gentios em Cristo deveriam se tornar prosélitos judeus; alternativamente, se eles desejassem seguir a convicção de Paulo de que não deveriam se tornar judeus, então esse chamado cristianismo paulino gentílico deveria permanecer separado do cristianismo judaico. Quaisquer reuniões conjuntas, como para celebrar a Ceia do Senhor, devem ser conduzidas de acordo com os padrões do Cristianismo Judaico.[32] Em contraste, em Antioquia, Paulo havia denunciado essa posição em termos inequívocos, afirmando que quando as reuniões conjuntas ocorriam, eram os padrões livres da Torá que deveriam ser aplicados. O cristianismo não era o judaísmo; era para ser livre da “escravidão” da Torá. Qualquer pessoa que proclame o contrário subverte o Evangelho de Cristo.
Essa leitura tradicional, em suas diversas formas, depende de várias decisões. A seguir, estão algumas das mais fundamentais.
Em primeiro lugar, baseia sua interpretação na noção de que o que “os da circuncisão” consideravam questionável sobre as refeições mistas era que elas não eram conduzidas de acordo com os padrões dietéticos haláquicos predominantes.[33] A acusação de Paulo de que Pedro estava obrigando os gentios a “judaizar”, embora o próprio Pedro estivesse “vivendo como um gentio”, foi entendida como significando que Pedro estava comendo sem Torá e que ele implicitamente, se não explicitamente, estava ensinando fé mais conversão de prosélitos e observância da Torá para gentios seguidores de Cristo.[34] Essa interpretação supõe que os seguidores de Cristo se reuniam independentemente da comunidade judaica e de acordo com as normas livres da Torá, de modo que, por definição, os judeus presentes não estavam se comportando judaicamente.
Em segundo lugar, essa leitura entende que os “certos de Tiago” representam o ponto de vista de Tiago e presume que essas pessoas são aquelas a quem Paulo diz que Pedro temia, ou seja, “os da circuncisão”.[35] Visto que foi a influência de “alguns de Tiago” que levou Pedro, Barnabé e outros judeus anônimos a adotar (ou retornar a) essa posição em relação aos seguidores gentios de Cristo, os intérpretes tradicionais inferem que representa a visão de Tiago, do cristianismo judaico ou de um elemento significativo desse movimento.
Em terceiro lugar, esses intérpretes concluem que a oposição de Paulo é, portanto, não apenas a conversão de proselitismo para os gentios crentes em Cristo, mas também ao comportamento alimentar definido pela Torá. Por extensão, ele também se opôs à observância da Torá como um modo de vida para judeus e gentios, pelo menos quando eles se misturavam na igreja, o que aparentemente se aplicaria a todos os casos nas assembleias paulinas e, provavelmente, na maioria dos outros grupos crentes em Cristo também.[36]
Eu discordo com cada uma destas decisões.
Sobre o primeiro ponto, quando Paulo diz que Pedro está vivendo como um gentio, ou “gentilicamente”, Paulo não o está acusando de um estilo de vida livre da Torá, mas de viver justificado por Cristo assim como os gentios, não por sua posição como judeu.[37] De acordo com Paulo, baseando-se em Habacuque 2,4, “o justo viverá pela fidelidade” (3:11, 16–21; cf. Rom 1:17). Assim, os não-judeus viviam em pé de igualdade diante de Deus com os judeus, sem a atribuição de identidade étnica e a vantagem concomitante de ser judeu dentro da comunidade judaica (cf. Gl 2,15; Rm 3,1–2; 9,3- 5). Como esses gentios alcançaram posição igual à dos judeus diante de Deus, naturalmente, eles deveriam ser tratados como iguais entre si (cf. Gl 2,16; 3,28–29; Rm 3,27–4,25; 15,5–12).
A acusação de Paulo de que o comportamento de Pedro obriga implicitamente os gentios seguidores de Cristo a se tornarem judeus (ioudaïzien[38] não deriva de Pedro ensinando não-judeus a se tornarem prosélitos ou adotarem algum tipo de mudança no comportamento alimentar. Isso está implícito na acusação de Paulo de “hipocrisia” em vez de “apostasia” ou “heresia”. Com medo daqueles que defendem a conversão prosélita, Peter não está se comportando de forma consistente com essa convicção. Seu comportamento conveniente está minando “a verdade do evangelho” que ele defende, que os gentios em Cristo já vivem como membros iguais do povo de Deus, descendentes de Abraão, sem se tornarem membros de Israel. Isso é o que distingue essa coalizão judaica de seguidores de Cristo de todos os outros grupos judaicos.
Além disso, Pedro e todos os outros à mesa, incluindo os não-judeus, comiam de acordo com as normas dietéticas definidas pela Torá. Paulo não acusa Pedro de comer como um gentio e depois parar de comer dessa maneira; ele não o acusa de se retirar por “medo dos que defendem normas dietéticas”. Em vez disso, ele relata que Pedro teme “os da circuncisão”, isto é, presumivelmente, aqueles que defendem a necessidade de os gentios serem circuncidados para serem bem-vindos a esta mesa nos termos que estão sendo mantidos nela.
Em outras palavras, Paulo descreve Pedro como se abstendo de comer com os gentios, não de comer como um gentio. Se “os da circuncisão” que Pedro temia estivessem defendendo uma mudança no cardápio, então Pedro e os outros judeus presentes, incluindo “certos de Tiago”, estavam em posição de mudar esse cardápio e esperar que os gentios também aceitassem isso ou fossem os que se retirassem. Faz pouco sentido para os judeus, incluindo figuras importantes como os “certos de Tiago”, Pedro e Barnabé, fazerem a retirada. E, novamente, a questão é sobre “os da circuncisão”, não “os do comitê de cardápio kosher”. Uma mudança de dieta certamente seria uma opção menos ameaçadora, e que os homens não-judeus deveriam aceitar com mais prazer do que a alternativa da circuncisão — mas não é isso que Paulo afirma estar em questão.
A questão que Paulo aborda diz respeito a com quem Pedro estava comendo, e o que sua retirada de comer com eles implica sobre sua posição. Outros grupos judaicos também incluíam não-judeus nas refeições sem comprometer as normas dietéticas judaicas, todos comendo de acordo com as regras dietéticas judaicas.[39] No entanto, neste grupo, que também comia de acordo com as normas dietéticas judaicas, havia algo distinto em comerem juntos. Eles procuravam demonstrar, por meio de sua comunhão à mesa como iguais, israelitas e membros de outras nações, que a esperada “era vindoura” havia despontado em Cristo, que o banquete messiânico havia começado em seu meio. Eles provavelmente organizaram os assentos e distribuíram comida e bebida de acordo com arranjos não hierárquicos, enquanto provavelmente era normal em grupos judaicos, como em grupos greco-romanos em geral, discriminar em tais assuntos de acordo com a hierarquia.[40]
Em outros grupos judaicos, convidados não judeus seriam distinguíveis como convidados, porém bem-vindos. Mas não nesses grupos, onde se celebrava a igualdade entre judeus e gregos em Cristo. Isso explicaria a ameaça daqueles que defendiam que a circuncisão desses gentios era necessária, se eles fossem tratados como membros iguais do povo de Deus dentro da comunidade judaica de Antioquia. Mas de acordo com a verdade da mensagem de bem que Paulo e Pedro proclamam, eles devem ser tratados como iguais étnico-religiosos sem conversão prosélita, isto é, sem serem iguais étnico-religiosamente. Assim, evitar sentar e servir pessoas de outras nações igualmente comprometeria a própria proposição em torno da qual existe esse subgrupo judeu seguidor de Cristo e para o qual se reúne para lembrar de Jesus.
Em segundo lugar, Paulo não iguala os “certos de Tiago” com “os da circuncisão”. A chegada de “certos da parte de Tiago” representa um marcador de tempo: é depois da chegada deles que Pedro e “os demais judeus” se retiraram. Paulo também não iguala esses “certos de Tiago” com “os da circuncisão” que Pedro temia. Pode ser que os dois sejam sinônimos, mas Paulo acabou de terminar uma discussão nos versículos 1–10 em que ele concluiu que Tiago e os líderes de Jerusalém estavam de pleno acordo com Paulo que os seguidores de Cristo gentios não deveriam ser circuncidados (da mesma forma, Atos 15).
Onde muitos intérpretes argumentam que Tiago e a igreja de Jerusalém agora reverteram seu acordo com Paulo em Jerusalém, Paulo de fato não sinaliza qualquer reversão de princípio e não acusa os “certos de Tiago”, ou o próprio Tiago, de nada. Além disso, como já observado, ele não acusa Pedro ou o resto de apostasia ou heresia, mas apenas de “hipocrisia”. Uma acusação de hipocrisia (de “mascaramento”) implica concordância teórica contínua e ensino da proposição “da verdade do evangelho” de que os gentios devem permanecer gentios dentro deste movimento. Caso contrário, deve-se concluir que os líderes da igreja de Jerusalém renegaram esse acordo,[41] apesar da falha de Paulo em declarar o assunto nesses termos. No entanto, Paulo escolheu apresentar este exemplo. Presumivelmente, ele o fez para persuadir seu público de que sua posição era normativa para a fidelidade a Cristo e, portanto, a única legítima para eles considerarem em sua própria situação na Galácia.
Existem outras identificações mais lógicas dos “certos de Tiago”. Eles podem ser os representantes de Tiago e, assim, como ele, juntam-se em mesas mistas e despertam uma objeção maior dos judeus antioquinos locais que já estavam chateados com tais práticas. A adesão a essa comunhão de mesa mista representou a gota d’água para aqueles nas comunidades judaicas de Antioquia que se opunham a tais desenvolvimentos dentro desses subgrupos seguidores de Cristo. Aqueles que vieram da coalizão de Tiago em Jerusalém estavam reforçando a alegação dos judeus antioquinos locais, crentes em Cristo, de que esses gentios eram agora membros iguais do povo de Deus, bem-vindos como membros plenos das comunhões à mesa sendo conduzidos de acordo com as leis dietéticas judaicas normais. Os judeus antioquinos não podiam duvidar de que essa era a posição de todos os membros do movimento cristão, e já era hora de se opor a ela com veemência. Em resposta, os membros judeus crentes em Cristo procuraram dissipar o calor por meio de uma retirada temporária e conveniente, mas sem mudar seus ensinamentos. Presumivelmente, no devido tempo, eles retornariam à mesa mista.
Ou pode ser que os “certos de Tiago” representassem aqueles que eram estranhos ao movimento de crentes em Cristo, conforme relatado na passagem da reunião anterior em Jerusalém (2,1–10). Eles eram “inspetores” a quem Tiago permitiu que estivessem presentes nas reuniões privadas da coalizão de crentes em Cristo em Jerusalém.[42] Em ambos os casos, Paulo os julgou como “informantes” que obtiveram acesso em Jerusalém, e agora foram autorizados a viajar para Antioquia para investigar assuntos lá também. Se assim for, então eles podem muito bem ser sinônimos de “os da circuncisão” a quem Pedro temia. Eles se opuseram aos padrões do movimento de Cristo para comunhão igualitária com os não-judeus, e Pedro se preocupou com o fato de não estar claro o quão importante era em Antioquia, como em Jerusalém, que os padrões da Torá fossem mantidos nessas refeições mistas. Assim, em vez de permitir ambiguidade, ele se retirou para evitar problemas enquanto esses informantes procuravam encontrar algum motivo para relatar a Jerusalém que as coisas não estavam como deveriam estar. Talvez o propósito dos inspetores fosse aumentar a pressão sobre Tiago e a igreja de Jerusalém para responder a supostas transgressões dentro da rede que se espalhava sob sua supervisão, incluindo Antioquia, e Pedro raciocinou que evitar o comportamento normal por um tempo seria uma maneira estratégica de evitar as intenções deles.
Nenhuma destas alternativas para a identidade dos “certos de Tiago” sobre seus papéis em Antioquia e o seus relacionamentos com “os da circuncisão” implicam que Tiago diferia de Pedro e Paulo em suas expectativas de conversão prosélita aos gentios seguidores de Cristo ou observância da Torá para os judeus, ou participação em refeições comunitárias. Isto desafia o terceiro maior ponto das visões que prevalecem.
Gálatas 2,11–15, portanto, mostra que Paulo não se opôs à observância da Torá em suas assembleias, nem aos padrões haláquicos predominantes para o comportamento alimentar. A questão em Antioquia não tinha a ver com a comida que estava sendo servida, mas sim com como ela estava sendo compartilhada com os não-judeus como se fossem membros iguais da irmandade, e não como convidados não-judeus ou candidatos a prosélitos. Isso era diferente da prática de todos os outros grupos judaicos dos quais temos conhecimento. Pois, embora os gentios fossem bem-vindos em outros grupos judaicos, eles permaneciam distinguíveis como convidados não judeus e provavelmente não eram tratados como membros, a menos que decidissem se tornar prosélitos. Não é assim nos grupos de crentes em Cristo em Antioquia e em Jerusalém.
Essa é a mensagem que Paulo queria comunicar aos gálatas, que estavam sob pressão semelhante de suas próprias comunidades judaicas locais. Ele esperava que eles resistissem a essas pressões, assim como insistia em tal resistência em outros lugares.[43] Quando os apóstolos e líderes judeus como Pedro e Barnabé erraram, Paulo também os criticou. “A verdade do evangelho” estava em questão; a entrada de membros de outras nações na refeição messiânica foi fundamental para as afirmações de verdade proposicional que eles buscavam fundamentar. Os não-judeus ingressam no judaísmo, mas não se tornam judeus por meio das “obras da Torá” que alteram sua identidade étnico-religiosa para torná-los judeus. Para isso, eles precisariam completar os ritos de conversão de prosélitos, que envolvem a circuncisão para os homens. Assim, eles não estão sob a Torá no sentido mais amplo, como os judeus. Mas os seguidores de Cristo gentios estão, no entanto, sob a Torá (ou seja, ensino, princípios) de Cristo, que inclui os códigos haláquicos de comportamento para convidados, que são coerentes com os mandamentos de Noé, conforme testemunhado no chamado decreto apostólico (Atos 15).[44]
Resumindo, o Incidente de Antioquia não substancia que Paulo comeu isento da Torá em qualquer ocasião, ou que ele ensinou que judeus ou mesmo gentios deveriam comer isentos das normas dietéticas judaicas. As implicações do argumento de Paulo vão exatamente na direção oposta. Ele ensina que os gentios seguidores de Cristo devem ser livres de conversões prosélitas. Eles não realizam as “obras/ações da Torá” que criam a identidade étnica-religiosa judaica e, portanto, não estão sob a Torá; eles não se tornam israelitas, embora se tornem escravos do amor ao próximo que é a essência da Torá e, portanto, da vida da aliança israelita (Gl 5,13–14). E como seus grupos são judeus, sendo subgrupos crentes em Cristo das comunidades judaicas maiores, esses não-judeus comerão e viverão juntos de acordo com os regulamentos comunitários judaicos vigentes que governam o estilo de vida dos não-judeus justos.
Comida Oferecida a Ídolos
1 Coríntios 8 a 10 é a resposta de Paulo às perguntas aparentes de seus discípulos coríntios sobre se eles poderiam participar de ritos idólatras ou comer alimentos que foram sacrificados a ídolos.[45] As interpretações desta passagem logicamente devem ser consistentes com as interpretações do Incidente de Antioquia. Se alguém afirma que Paulo manteve as leis dietéticas kosher, então ele certamente não comeria alimentos de sacrifícios idólatras. Mas se alguém argumentar que Paulo permitiu e até mesmo comeu comida idólatra em algumas circunstâncias, segue-se que ele não manteria os regulamentos kosher em relação a outros alimentos.
A opinião consensual é que Paulo permite o consumo de alimentos idólatras em princípio, mas não quando isso iria contra as “sensibilidades” (sineidesis: “consciência”, ou melhor, “percepção”) dos asthenes (“fracos”, ou melhor, “debilitado”). Os “fracos” são entendidos como seguidores de Cristo que não são seguros o suficiente em sua fé para internalizar completamente os princípios livres da Torá do evangelho de Cristo. Eles, portanto, hesitam em comer alimentos idólatras ou, ao comê-los, estão conscientes de alguma forma de participar da idolatria. Eles entendem mal a proposição do evangelho (de acordo com os “informados”) de que não há deuses reais representados por esses ídolos.[46] A comida dedicada a eles é realmente profana (comum) e não deve ser uma preocupação real.
É amplamente sustentado, mesmo por aqueles que entendem que Paulo aceitava comer alimentos idólatras em certas circunstâncias, que ele não permitia a participação em ritos idólatras.[47] Isso parece sugerir que Paulo de fato argumenta a partir de certas sensibilidades básicas inspiradas na Torá. No entanto, aqueles que mantêm a visão de consenso sustentam inconsistentemente que, a menos que Paulo se oponha a comer alimentos idólatras porque são intrinsecamente impuros, ele não pode ser um judeu observador da Torá ou alguém que ensina uma abordagem baseada na Torá para a fé em Cristo. Eles combinam isso com sua decisão de interpretar 1 Coríntios 9,19–22 como significando que Paulo adaptou seu comportamento igualmente ao observador da Torá e aos livres da Torá.[48] Dependendo de qual grupo ele estava, ele procurou proclamar seu evangelho livre de tais requisitos supostamente não essenciais, uma vez que a Torá é para Paulo adiáfora, uma questão de indiferença.
Embora o consenso esmagador concorde que Paulo era contra manter as normas dietéticas judaicas em Antioquia, alguns intérpretes reconhecem que a lógica do argumento de Paulo em 1 Coríntios sinaliza tanto que ele desaprovava que outras pessoas comessem alimentos conhecidos como idólatras, quanto que ele não comia o próprio alimento idólatra, por exemplo, ao evangelizar entre os idólatras.[49] Meu próprio trabalho reforça este segundo caso.[50] Os “fracos” ou “deficientes” em 1 Coríntios 8–10 provavelmente não são seguidores de Cristo, mas politeístas (pagãos), aqueles que ainda praticam ritos idólatras por uma questão de princípio. Ao contrário da audiência de Paulo, que somos os “nós” que conhecemos o Deus Único e que “todos têm conhecimento” de que essas estátuas não representam deuses reais (8,1–6), “eles” são os “alguns” que carecem desse conhecimento do Deus Único, que até agora se acostumaram a comer alimentos idólatras sem sentir que não era certo fazê-lo (v. 7). E por que eles se eles não são seguidores de Cristo, mas idólatras?
A questão levantada pelos seguidores de Cristo em Corinto é se eles podem comer alimentos que foram ou foram sacrificados a ídolos. Eles raciocinam que, como não acreditam mais que esses ídolos representam deuses e senhores, a comida oferecida a eles não tem santidade. Comer alimentos idólatras com indiferença teria a vantagem de testemunhar suas convicções evangélicas e, ao mesmo tempo, não ofender seus vizinhos politeístas. Retirar-se de todos os contextos em que estava sendo servido e de comprá-lo no mercado, ao contrário, seria semelhante ao suicídio social, a viver afastado do mundo. Como viveriam quando praticamente todos os compromissos sociais e grande parte da comida disponível para as refeições envolviam alguma associação com a idolatria de suas famílias politeístas, vizinhos e colegas de trabalho, com a vida cívica em geral?
No entanto, Paulo vê as coisas de um ponto de vista judaico baseado na Torá, e a lógica de seu apelo para comer alimentos idólatras escapa dele. O raciocínio deles provavelmente o surpreendeu, pois os israelitas há muito defendiam que os ídolos eram apenas estátuas, que não deveriam ter sido construídas. Aqueles que adoravam os deuses por meio de “ídolos” eram considerados, no mínimo, equivocados. Mas não se segue que alguém possa participar com indiferença em ritos idólatras ou mesmo comer comida que tenha sido usada em tais ritos, inclusive quando mais tarde estava disponível no mercado. Em vez disso, deve ser evitado como se estivesse infectado com poderes que buscam rivalizar com Deus e prejudicar seu povo.[51] Portanto, Paulo argumenta que, em vez de dar testemunho a seus vizinhos politeístas, comer essa comida idólatra pode servir como um escândalo para eles, levando-os a continuar na idolatria sob a impressão de que a fé em Cristo sanciona tal comportamento. Eles permanecerão ignorantes da proposição do Deus Único que está no centro da confissão da fé dessa comunidade de subgrupo judaico em Cristo.
Mas por que Paulo simplesmente não sai e diz que a Torá ensina o “instruído” sobre Cristo a não comer comida idólatra? Porque seu público-alvo não é composto de judeus; portanto, eles não estão sob a Torá nos mesmos termos que os israelitas. A compreensão de Paulo da lógica da verdade do evangelho o restringe — até certo ponto. Então ele começa 1 Coríntios 8 com os primeiros princípios. Ele concorda com os seguidores de Cristo que “sabem” que não existem deuses e senhores que essas estátuas procuram representar (v. 4). No entanto, ele acrescenta, como parte de seu apelo lógico ao Shemá — a proclamação de que Deus é o Único Deus para Israel e para os gentios que creem em Cristo — que existem coisas como outros deuses e senhores dela, a quem ele identificará como demônios (v. 5; 10,20–21). Então ele escreve no balanço do capítulo 8 que, porque alguns não têm esse conhecimento, sendo “fracos/deficientes”, os “instruídos” devem abster-se de se comportar como se todas as coisas relacionadas aos ídolos fossem consideradas profanas. Fazer isso prejudicará os politeístas “fracos”, pois eles pensam que essas coisas são sagradas para os deuses e senhores aos quais são dedicadas. Não enviaria a mensagem a esses “irmãos [s] “deficientes”, ainda não crentes em Cristo, por quem Cristo morreu” (8,11–12; cf. Rom 5,6–10), que eles, juntamente com esses seguidores de Cristo e todos os israelitas devem desistir de tal comportamento e se voltar para o Deus Único.[52]
Depois de uma digressão no capítulo 9 para explicar o estilo de vida auto sacrificante de Paulo, incluindo como ele adapta sua retórica a cada grupo que procura ganhar, Paulo move o argumento contra comer comida de ídolo para o próximo estágio no capítulo 10. Embora até certo ponto evite o apelo direto às injunções da Torá, ele invoca exemplos da Torá para deixar claro que aquele que come à mesa do Senhor também não pode comer à mesa de outros deuses, os chamados demônios. Em outras palavras, ele admite que existem poderes associados aos ídolos, minando a concessão teórica com a qual ele começou esse argumento que aparentemente compartilhava a premissa desses crentes gentios em Cristo de que não havia coisas como outros deuses e senhores. Assim, independentemente do fato de que Deus fez todas as coisas para serem comidas com oração santificadora, nem todas as coisas podem ser comidas. A pureza não é inerente ao alimento, mas imputada pelo mandamento de Deus. Qualquer alimento conhecido por ser idólatra, seja disponível no mercado ou oferecido na casa de um anfitrião, não pode ser consumido. Os crentes em Cristo, como os israelitas bíblicos, devem fugir da idolatria, tanto para seu próprio bem como para o bem de seus vizinhos politeístas, seus irmãos e irmãs na ordem criada a quem Deus em Cristo busca redimir por meio deles.
Paulo não permitia comer comida conhecida como idólatra, e não há indicação de que ele mesmo a comesse. Muito pelo contrário é o caso. Além disso, o ensino da igreja primitiva durante séculos era que os cristãos não deviam consumir alimentos idólatras, em parte, com base na leitura deste texto.[53] O argumento de Paulo, incluindo aquele contido em 1 Coríntios 9,19–22, confirma que sua audiência sabia que ele não era apenas alguém que não comeria tal comida, mas também alguém que não esperaria que eles o fizessem também. Assim, embora eles soubessem que ele era um observador da Torá quando ele estava entre eles em Corinto, sua pergunta protesta contra o custo para sua vida cívica e posição causada por Paulo negar este alimento a eles como gentios. Eles sabiam que pelos termos definidores da própria proclamação de Paulo da verdade do evangelho, ele entendia que eles permaneciam não-judeus e não estavam sujeitos à Torá.
Em 9,19–22, Paulo declara que para ganhar judeus ele “tornou-se como um judeu”, para ganhar os “sob nomos” (lei/convenção/Torá?) ele “tornou-se como aquele sob nomos”, mas também para vencer os sem lei, ele “tornou-se como um sem lei” (anomos), e para ganhar os “fracos” que ele “tornou-se fraco”, que são entendidos como inseguros em sua liberdade em Cristo e, portanto, evitam comer comida idólatra.[54] Esta declaração tem sido universalmente entendida como significando que Paulo considera a observância da Torá, incluindo o valor da própria identidade judaica, como sendo apenas uma questão de conveniência evangelística. Essa interpretação, que para fins analíticos pode ser chamada de “adaptabilidade do estilo de vida”, depende da compreensão de “fazer-me tornar como” (egenomen hos) membros de cada um dos vários grupos para significar “fazer-me imitar a conduta” de cada um deles. Na visão de consenso, Paulo não compartilha as verdades proposicionais dos vários grupos, mas apenas copia certos aspectos de seu comportamento, presumivelmente, a fim de ganhar uma audiência entre eles, fazendo-os (erroneamente) supor que ele pode realmente compartilhar suas convicções. Isso se aplica a condutas como comer de acordo com a Torá quando com aqueles que comem halaquicamente e sem consideração pela Torá quando com aqueles que não comem de acordo com as normas dietéticas judaicas. Em outras palavras, Paulo na verdade não “torna-se” ou “torna-se como” cada referente, mas apenas “finge na superfície viver como” cada um quando entre cada um. Então ele abandona essa conduta e vive como os outros quando está entre eles. Mas há outra maneira de entender o argumento de Paulo aqui, uma que evita implicar que ele é indiferente à Torá e uma que não compromete sua moralidade ao atribuir a ele uma estratégia de “isca e troca”.
Em vez de sugerir que ele se relaciona com cada pessoa ou grupo imitando seu estilo de vida, proponho que Paulo está se referindo, em vez disso, à sua estratégia retórica para persuadi-los. Seu tornar-se semelhante não significa “comportar-se como”, mas sim “argumentar como” ou “raciocinar como” aqueles a quem eles procuram persuadir, quer pretendam ou não minar essas premissas.[55] Era o modo de Sócrates, e ainda é empregado como um dos melhores métodos para ensinar os alunos. Paulo rotineiramente começa com as verdades proposicionais de seu público, quer ele as compartilhe, como ele faz com os judeus e aqueles que são observadores da Torá, ou não, como nos casos daqueles que ele chama de fora da lei, ou os deficientes que se envolvem em idolatria por uma questão de convicção. Ele não se comporta como eles, mas ele faz seus argumentos de forma que se adaptam ao pensamento proposicional de cada grupo que ele procura persuadir ao evangelho. Assim também aqui, ele aborda o instruído em Corinto sobre comida idólatra, parecendo defender premissas das quais ele pode discordar para levá-los a conclusões diferentes daquelas que eles tiraram.
Lucas retrata Paulo pregando aos filósofos em Atenas exatamente dessa maneira (Atos 17,16–34). Paulo começa com a premissa de que existe um “Deus Desconhecido” a quem eles dedicaram uma estátua. Paulo não começa declarando que não existem deuses politeístas, mas baseia-se em sua convicção (errada) de que esse “ídolo” simboliza um deus. Então ele declara a identidade desse deus como realmente o Deus de Israel. Em seguida, ele passa a informá-los de que esse Deus não aprova a construção de estátuas para si mesmo ou para qualquer outro suposto deus ou senhor. Paulo não torna essa crítica óbvia no início de seu discurso, mas torna-se transparente à medida que ele se aproxima de sua conclusão de que o Deus de Israel é o único Deus Criador de toda a humanidade. Desta forma, Paulo “tornou-se como” um idólatra para ganhar idólatras. Ele não se comporta de maneira idólatra nem imita a conduta de um idólatra; ao contrário, ele permanece como um judeu observador da Torá enquanto argumenta a partir das premissas dos politeístas que procura persuadir.
Minha leitura não apenas evita a caracterização negativa de Paulo e seus métodos como intencionalmente enganosos, com um compromisso questionável com a retidão, a verdade e a justiça, mas também desafia a noção de longa data de que 1 Coríntios 8–10 mostra claramente que Paulo é por definição livre de Torá. Em vez disso, comprova que ele é observador da Torá e que constrói seus argumentos assumindo que sua audiência está ciente desse fato. Intérpretes subsequentes, presumindo que seu público contemporâneo compartilhava o entendimento posterior de que Paulo era livre da Torá, não apenas o caracterizaram erroneamente, mas também perderam o foco de seu ensino.
Instruções ao Forte sobre o Fraco
Em Romanos 14:1–15:7, Paulo exorta aqueles que são “fortes” ou “capazes” (dunatoi) a respeitar os asthenes “fracos” ou “tropeços”), que são “incapazes” (adunatoi) na fé.[56] A quem cada rótulo se refere é uma questão de debate. O argumento de Paulo, dirigido aos “fortes”, caracteriza os “fracos” por suas convicções sobre o valor de certos alimentos, bebidas e dias. Essas características parecem ser normas típicas do comportamento judaico, como comer vegetais quando a carne devidamente kosher não está disponível, evitar vinho que pode ter sido oferecido como libação aos deuses de acordo com a prática greco-romana normal e observar os dias sagrados de o calendário judaico, incluindo o sábado.
De acordo com as visões predominantes, os “fortes” são seguidores de Cristo de persuasão paulina, ou seja, eles são “livres da Torá”, sejam gentios ou judeus. Os “fracos” também são seguidores de Cristo, mas, em contraste, eles ainda observam a Torá e provavelmente consistem principalmente de judeus, talvez com alguns não-judeus “tementes a Deus” incluídos entre eles. Assim, as identidades conflitantes giram em torno de sua avaliação relativa da Torá, pois todos eles são seguidores de Cristo.
Esses intérpretes consideram o fato de que Paulo se inclui entre os “fortes” como suporte para a noção de que Paulo é livre da Torá, mas sua lógica é circular. Se os romanos acreditam que Paulo é um observador da Torá, então presumir-se-ia que sua força compartilhada não tem nada a ver com a Torá, mas com a fé compartilhada em Cristo. A visão predominante combina esta leitura com a declaração de Paulo de que ele está “convencido no Senhor Jesus de que nada é impuro em si mesmo” (14,14), significando que o que torna algo impuro é a percepção de alguém de que é, não algo intrínseco a isto. Eles entendem que Paulo define categorias de pureza e impureza não de acordo com a Torá, mas sim de acordo com as convicções pessoais ou grupais baseadas em Cristo, como se fossem inerentemente diferentes daquelas definidas pela Torá para o povo e grupos judeus. Assim, Paulo não é observador da Torá, nem mesmo respeitador da Torá, exceto em concessão às convicções de outros, a quem ele acomoda para promover assuntos mais importantes como a paz na assembleia e o testemunho do evangelho. Discordo dessas leituras.
Proponho que as distinções que Paulo faz entre “forte” (ou “incapaz”) e “fraco” (ou “tropeço”) não giram em torno de sua observância de normas baseadas na Torá, o “forte” rejeitando-as e o “fraco” observá-los com isso significa uma escolha inferior (fé mais fraca) segundo os ideais do cristianismo paulino. Nem o apelo de Paulo à pureza inerente ou mesmo à bondade de tudo o que Deus criou indica uma rejeição do comportamento haláquico. Em vez disso, a distinção entre os grupos surge de seu nível atual de “capacidade” ou “incapacidade” de acreditar na proposição do evangelho.[57] A questão é se eles estão ou não “tropeçando” na proclamação da mensagem do bem em Cristo às nações. Eles são assim “fracos” ou “deficientes” ou “tropeços”,[58] mas não são incrédulos em Deus. Eles não carecem de fé em termos gerais, mas fé de que Deus está cumprindo o que foi prometido em Cristo.[59]
Mas a relativização ostensiva de Paulo do valor de puro e impuro, por exemplo, implica que ele não respeita, observa ou ensina a Torá como uma questão de convicção? Não, não tem. A tradição rabínica relativiza essas categorias, tornando-as aplicáveis apenas a Israel.[60] De acordo com a Bíblia, Deus criou tudo bom. Os alimentos proscritos como impuros não são inerentemente impuros; ao contrário, eles são impuros para Israel porque Deus os designou assim na Torá. Impureza ou pureza é uma característica imputada, não inerente. Paulo apela para a mesma noção aqui (e em 1 Coríntios 10,19–11:1) assim como o salmista (presumivelmente observador da Torá) que ele cita (Sl 24,1; 50:12, em 1 Coríntios 10:26), Paulo levanta isso como um argumento, não sua conclusão. Ele presume que seu público se identificará positivamente com essa premissa — mas, característico de suas táticas retóricas, ele subverte essa concessão argumentativa em suas conclusões subsequentes. Independentemente de o “forte” identificarem algo como puro ou não, eles são obrigados a respeitar a sensibilidade daqueles que o concluem impuro e a se comportar de acordo. Qualquer coisa menos é pecado e contribui não para testemunhar sua fé, mas para sua falta de fé e para o escárnio ostensivamente legítimo de suas reivindicações de fé, ou seja, para a própria blasfêmia. Eles não podem ter parte no comportamento que pode levar a tais resultados.
Portanto, proponho que as divisões entre esses grupos surjam em torno de sua expressão ou falta dela dos marcadores de identidade da fé em Cristo (“forte” = “capaz” de acreditar; “fraco” = “tropeçar” na mensagem de Cristo) e não em torno de seu grau relativo de observância da Torá (“forte” = livre da Torá; “fraco” = observância da Torá). Quer alguém aceite ou não meu ponto de vista, esta passagem não fornece informações suficientes para apoiar o caso tradicional que Paulo fez não observar a Torá em questões de dieta, ou que ele ensinou contra ela. Além disso, mesmo de acordo com a visão de consenso, Paulo defende o observador da Torá, ou pelo menos pede um comportamento respeitoso para com eles. Paulo também proscreve explicitamente o próprio julgamento em relação ao fraco que esta visão lhe imputa ao entender “fraqueza” é tropeçar em confiar em Deus o suficiente para revogar a Torá. Mas eu afirmo que Paulo, em vez disso, argumenta aqui a partir das premissas de um judeu observador da Torá, um israelita fiel que acredita que Jesus é o Messias de Israel, e o Salvador das Nações também.
Conclusões e Implicações
Aqueles que promovem o retrato predominante do Evangelho livre da Torá e estilo de vida de Paulo não dependem exclusivamente desses textos e tópicos, mas geralmente apelam para eles primeiro como as fontes ostensivamente mais auto evidentes que contradizem a proposição de um Paulo observador da Torá. Em cada caso, questiono suas leituras. Neste ponto, não tenho conhecimento de qualquer razão para duvidar de que a abordagem que sugiro, que só pude descrever brevemente aqui, é a maneira historicamente mais provável, útil e útil de ler Paulo, e o melhor lugar a partir do qual procurar aplicar as suas mensagens às questões que se colocam hoje. Minha compreensão pode levar a um maior reconhecimento das semelhanças entre o judaísmo do primeiro século e os textos e tradições fundamentais do cristianismo. Além disso, combinado com a consciência apropriada das diferenças que existem hoje entre essas tradições de fé, também pode encorajar um novo nível de respeito nos relacionamentos.
Essas implicações se estendem para incluir como cada um caracteriza o outro, que é tão instrumental na perpetuação de estereótipos. Pois mesmo quando estes não são ostensivamente encorajados de forma direta, eles muitas vezes viajam implicitamente nas interpretações que apresentamos. Eles são executados da maneira que cada um explica o ponto de vista do outro, muitas vezes apelando para o apóstolo Paulo, para o paulinismo como tradicionalmente entendido. Para os cristãos, exemplifica-se em celebrar como os valores deste apóstolo especial supostamente eram diferentes dos valores de outros judeus, incluindo os outros apóstolos, até mesmo dos de Jesus, embora às vezes essa suposta diferença pareça ser mantida sem reconciliar a tensão que ela produz. Para os judeus, isso se expressa em minar tais noções e valores, não necessariamente negando as reivindicações que os cristãos fazem em nome de Paulo, mas, ao contrário, virando-as de cabeça para baixo: É óbvio que um apóstata que representa tais ensinamentos, alguém que não entendeu direito o judaísmo ou mesmo Jesus, não é um rival digno de respeito, muito menos de uma exegese meticulosa.
Alguns cristãos podem sentir uma ameaça profunda e repreensível à própria essência do cristianismo em ação na noção de um Paulo observador da Torá, uma ameaça que mina elementos considerados essenciais para destacar a diferença entre o cristianismo e o judaísmo. Acredito que essa preocupação é equivocada e desnecessária. Quando examinamos os detalhes das verdades proposicionais de Paulo, não há necessidade de a Torá ser revogada para que a fé em Cristo seja central na teologia de Paulo. É amplamente reconhecido que a indiferença à Torá não era a norma nem para Jesus nem para Tiago e os outros apóstolos desse movimento. Para eles, não havia dicotomia entre Torá e Cristo. Por que deve haver para Paulo?
Se levarmos a sério um retrato de Paulo como observador da Torá, um que seja consistente com seu próprio testemunho e confirmado por seu primeiro biógrafo nos Atos dos Apóstolos, as comunidades judaica e cristã não poderiam ser mais semelhantes do que diferente? As diferenças não deveriam estar mais claramente relacionadas com a forma como cada comunidade valoriza a identidade e o significado de Jesus, um mártir judeu do regime romano, e não com a preocupação compartilhada pelo “ensino” da fidelidade em resposta ao gracioso chamado de Deus? Este não é um apelo para desconsiderar as diferenças, mas para acertá-las.
Espero que cada comunidade dê ouvidos a essa abordagem crítica, não apenas no interesse de procurar ler esses textos da maneira mais historicamente viável possível, mas em prol do nosso bem-estar hoje e das gerações vindouras.
[1] Artigo traduzido por iniciativa própria por Nicolas Perejon a partir de Nanos, Mark D. “The Myth of the ‘Law-Free’ Paul Standing between Christians and Jews.” Studies in Christian-Jewish Relations 4 (2009): 1–21 http://escholarship.bc.edu/scjr/vol4/iss1/4/. [Nota do Tradutor]
[2] Esse artigo é dedicado a Krister Stendahl, que sua memória seja uma benção. Agradecimentos especiais a Andy Johnson, David May e Bill Stancil pelos comentários às versões anteriores deste trabalho, que foi apresentado a convite na Conferência Anual Evangelical Theological Society (ETS), Providence, RI, novembro 21, 2008.
[3] As pesquisas sobre a visão judaica moderna de Paulo incluem: Nancy Fuchs-Kreimer, “Essential Heresy”: Paul Views of the Law According to Jewish Writers: 1886–1986 (PhD diss., Temple University, 1990) Stefan Meißner, Die Heim-holung des Ketzers: Studien zur jüdischen Auseinandersetzung mit Paulus, WUNT 2.87 (Tübingen: Mohr Siebeck, 1996); Susannah Heschel, Abraham Geiger and the Jewish Jesus, Chicago Studies in the History of Judaism (Chicago: University of Chicago Press, 1998); Pamela Eisenbaum, “Following in the Footnotes of the Apostle Paul,” in Identity and the Politics of Scholarship in the Study of Religion, eds. Jose Ignacio Cabezon and Sheila Greeve Davaney (New York: Routledge, 2004), 77–97; Daniel R. Langton, “The Myth of the ‘Traditional View of Paul’ and the Role of the Apostle in Modern Jewish-Christian Polemics,” JSNT 28.1 (2005): 69–104; idem, “Modern Jewish Identity and the Apostle Paul: Pauline Studies as an Intra-Jewish Ideological Battleground,” JSNT 28.2 (2005): 217–58; Alan F. Segal, “Paul’s Religious Experience in the Eyes of Jewish Scholars,” in Israel’s God and Rebecca’s Children: Christology and Community in Early Judaism and Christianity: Essays in Honor of Larry W. Hurtado and Alan F. Segal, eds. David B. Capes, April D. DeConick, Helen K. Bond and Troy A. Miller (Waco, Tex.: Baylor University Press, 2007), 321–43.
[4] Richard L. Rubenstein, My Brother Paul, 1st ed. (New York: Harper & Row, 1972), 114, coloca o assunto de forma sucinta: “Jesus, sim; Paulo, nunca!” parece ser o lema de grande parte dos estudiosos do Novo Testamento Judaico nos tempos modernos.
[5] Essa caracterização da atitude de Paulo em relação à Torá e ao judaísmo é tão amplamente aceita que a anotação seria supérflua e inevitavelmente incompleta.
[6] Veja, por exemplo, Lev 26,13; Dt 5,15; 15,1–15; 16,1–12; 24,17–22. Não pretendo descontar o peso dos mandamentos, cujo o judaísmo rabínico caracteriza como o “jugo dos mandamentos”, referindo-se ao Shema (Dt 11,13–21; B. Berakhot 2.2), mas essa é a responsabilidade desses que estão em uma relação de aliança com o Deus que libertou Israel do Egito, que também é o elemento central da benção Ge’ulah (redenção) recitada seguida do Shema; similarmente, Paulo baseia o chamado para guardar os mandamentos na identidade da aliança em Cristo (por exemplo, 1 Cor 7,19, Gal 5,13–6,10).
[7] Para mais detalhes, veja Mark D. Nanos, The Irony of Galatians: Paul’s Letter in First-Century Context (Minneapolis: Fortress Press, 2002), 288–96.
[8] Veja, por exemplo, 1QS XI; 1QM XI.4; 1QH VIII.11–18; VII.29–39; XV.15–25
[9] Veja Nosson Scherman, The Complete ArtScroll Siddur: Week-day/Sabbath/Festival: A New Translation and Anthologized Commentary, ArtScroll Mesorah Series; The Rabbinical Council of America ed. (Brooklyn, N.Y.: Mesorah Publications, 1990), 24–27, 70–71, 82–83 (Ps 130).
[10] Krister Stendahl, Paul Among Jews and Gentiles, and Other Essays (Philadelphia: Fortress Press, 1976), 78–96, “The Apostle Paul and the Introspective Conscience of the West.”
[11] O Rabino Jacob Emden (1697–1776), fez uma observação semelhante. Veja Harvey Falk, “Rabbi Jacob Emden’s Views on Christianity,” Journal of Ecumenical Studies 19, no. 1 (1982) 107–9
[12] Independentemente de sua precisão histórica, Atos dá testemunho dessa interpretação de Paulo por seu mais antigo biógrafo existente. Em Atos 21,15–26, Paulo faz um voto nazireu no Templo para negar os rumores de que ele ensina os judeus a não observar a Torá, um ato que envolve um holocausto. Nos caps. 21–26, ele afirma sua identidade como um judeu observante da Torá, de fato, como um fariseu não culpado de acusações de violar a Torá ou profanar o Templo. Em 15,30 e 16,4, Paulo representa a decisão da igreja de Jerusalém de que os gentios devem observar o decreto apostólico, e em 16,1–1–3, ele circuncida Timóteo.
[13] Os intérpretes perdem o ponto de Gálatas ao confundir a observância da Torá com a identificação da Torá, como se aqueles cuja influência Paulo se opõe estivessem ensinando aqueles sem identificação da Torá sobre a necessidade de realizar a observância da Torá. Mas 5,3 deixa claro que não é o caso. A circuncisão de não-judeus não é sobre a observância da Torá, mas sobre a identificação da Torá. Paulo não desafia a observância da Torá em nenhum ponto da carta. Em Irony of Galatians, 267–69, desafio a suposta oposição de Paulo às normas alimentares e calendário judaicos, deixando apenas sua oposição à conversão do prosélito, simbolizada na linguagem da circuncisão e nas obras da Torá (esse trabalho é especificamente o requisito de entrada para ganhar Torá/identidade judaica).
[14] Yevamot 47a-b; Shaye J. D. Cohen, The Beginnings of Jewishness: Boundaries, Varieties, Uncertainties, HCS 31 (Berkeley: University of California Press, 1999), 198–238.
[15] Desafiando essa tradição, veja Lloyd Gaston, Paul and the Torah (Vancouver: University of British Columbia Press, 1987); John G. Gager, Reinventing Paul (Oxford and New York: Oxford University Press, 2000); Anders Runesson, “Particularistic Judaism and Universalistic Christianity?: Some Critical Remarks on Terminology and Theology,” Studia Theologica 54 (2000): 55–75; Kathy Ehrensperger, That We May Be Mutually Encouraged: Feminism and the New Perspective in Pauline Studies (New York: T & T Clark International, 2004); William S. Campbell, Paul and the Creation of Christian Identity, Library of New Testament Studies 322 (London and New York: T & T Clark, 2006); Caroline Johnson Hodge, If Sons, Then Heirs: A Study of Kinship and Ethnicity in the Letters of Paul (New York: Oxford University Press, 2007).
[16] Veja, por exemplo, Daniel Boyarin, A Radical Jew: Paul and the Politics of Identity, Contraversions 1 (Berkeley: University of California Press, 1994), 4–12, passim. Amy-Jill Levine, The Misunderstood Jew: The Church and the Scandal of the Jewish Jesus (New York: HarperSanFranscisco, 2006), 84 (cf. 114, 159), escreve: “… (Gal 3:28) não é bom para os judeus, cuja identidade é então apagada. Na igreja, a visão se tornou realidade.” Mais perto de minha visão sobre esta passagem estão Pinchas Lapide, “The Rabbi From Tarsus”, em Paul, Rabi and Apostle, eds. Pinchas Lapide e Peter Stuhlmacher (Minneapolis: Augsburg, 1984), 31–55, 64–74; Alan F. Segal, Paul the Convert: The Apostolate and Apostasy of Saul the Pharisee (New Haven: Yale University Press, 1990), 146; Michael Wyschogrod, Abraham’s Promise: Judaism and Jewish-Christian Relations, Radical Traditions (Grand Rapids, MI: W.B. Eerdmans,2004), 188–201; e aqueles listados na nota anterior.
[17] Esta interpretação amplamente aceita foi contestada por Troy Martin, “Pagan and Judeo-Christian Time-Keeping Schemes in Gal. 4:10 and Col. 2:16,” NTS 42 (1996): 120–32; Nanos, Irony of Galatians, 267–69. O calendário que Paulo menciona carece de um elemento que significaria uma maneira judaica de marcar o tempo, a saber, “semanas”. Isso sugere que Paulo está escrevendo sobre os calendários idólatras romanos e locais, não o calendário judaico, consistente com seu desafio aqui para aqueles que retornam à idolatria.
[18] Para mais informações sobre este assunto, incluindo bibliografia mais completa, ver Mark D. Nanos, “Paul and Judaism: Why Not Paul’s Judaism?” em Paul Unbound: Other Perspectives on the Apostle, ed. Mark Douglas Given (Peabody, Mass.: Hendrickson, em breve 2009).
[19] Tiago concorda com Paulo em vez de corrigi-lo, embora talvez ele desafie uma deturpação do ensino de Paulo.
[20] Esse insight é central para a “Nova Perspectiva sobre Paulo”. Veja E. P. Sanders, Paul and Palestine Judaism: A Comparison of Patterns of Religion (Philadelphia: Fortress Press, 1977); James D. G. Dunn, Jesus, Paul, and the Law: Studies in Mark and Galatians (Louisville: Westminster/John Knox Press, 1990), 183–214, “The New Perspective on Paul”, especialmente 185–86. Isso tem sido frequentemente notado por judeus que escrevem sobre Paulo desde meados do século XIX. Veja, por exemplo, Schoeps, The Jewish-Christian Argument, 41–44, 165; idem, Jüdisch-Christliches Religionsgespräch em 19 Jahrhunderten: Geschichte einer theologischen Ausei nandersetzung (Berlim: Vortrupp, 1937), 49–61, 152; Will Herberg, “Judaism and Christianity: Their Unity and Difference”, emJewish Perspectives on Christianity: Leo Baeck, Martin Buber, Franz Rosenzweig, Will Herberg and Abraham J. Heschel, ed. Fritz A. Rothschild (Nova York: Crossroad, 1990; rpt. de JBR 21 [1953]), 249–50. Alguns outros exemplos anteriores são discutidos em Sanders, Paul and Palestinian Judaism, 33–59, que também explica o ponto de vista tradicional que os desafios de Sander. Agora é um ponto comumente feito; ver as discussões listadas na nota de rodapé 2.
[21] Nanos, Irony of Galatians, 256–71.
[22] Mark D. Nanos, “Paul’s Reversal of Jews Calling Ge ntiles ‘Dogs’ (Philippi- ans 3:2): 1600 Years of an Ideological Tale Wagging an Exegetical Dog?,” BibInt (em breve, 2009).
[23] Cfr. James D. G. Dunn, “Who Did Paul Think He Was? A Study of Jewish-Christian Identity”, NTS 45 (1999): 174–93, que, na 192, argumenta que Paulo argumenta que Paulo não daria um “não” direto à sua identidade como judeu, desde que fosse qualificado “para vir de dentro e não de fora, e que as armadilhas da identidade judaica, mais explicitamente a prática de ciruncisão e leis alimentares, poderiam ser igualmente aceitas ou adiadas sem afetar a integridade desse judaísmo de qualquer maneira. Mas Paulo daria um claro “não” a estar “no judaísmo”: “o termo tornou-se muito identificado com etnia e separação de outras nações; e a autocompreensão de Paulo apenas nesses pontos foi radicalmente transformada por sua conversão […] para que o ‘judaísmo’ continue a definir e identificar a si mesmo ou a sua obra apostólica.” Veja também Dunn, “New Perspective”, em Jesus, Paul, 198. Para uma crítica dessa visão, veja Neil Elliott, Liberating Paul: The Justice of God and the Politic s of the Apostle (Maryknoll, NY: Orbis Books, 1994), 66–72, 108.
[24] James D. G. Dunn, Romans 9–16, WBC 38b (Dallas: Word Books, 1988), 798; em meu The Mystery of Romans: The Jewish Context of Paul’s Letter (Minneapolis: Fortress Press, 1996), 88–95, forneço outros exemplos desse fenômeno e discuto o processo da “armadilha de Lutero” para as interpretações predominantes do “ fraco” em Romanos 14; veja também meu “Paulo and Judaism”.
[25] Para detalhes desta posição, veja meu Mystery of Romans, esp. 179–87; “Paul and the Jewish Tradition: The Ideology of the Shema”, a ser publicado em um festschrift em homenagem a Jerome Murphy-O’Connor e Joseph A. Fitzmyer, ed. Peter Spitaler, CBQMS (Washington D.C.: Catholic Biblical Association of America, 2010; uma versão apresentada na série de palestras The Jubilee Year of St. Paul Lecture, Villanova University.
[26] Cf. Stendahl, Paul.
[27] Nanos, “Paul and Judaism”.
[28] A ordem desta discussão é baseada na visão de consenso para a ordem cronológica destes textos.
[29] Uma discussão mais completa está disponível em meu “What Was in Stake in Peter’s ‘Eating with Gentiles’ at Antioch?”, em The Galatians Debate: Contemporary Issues in Rhetorical and Historical Interpretation, ed. Mark D. Nanos (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2002), 282–318; Mystery of Romans, 337–71 “Peter’s Hypocrisy in the Light of Paul’s Anxiety”. O assunto relacionado à reunião de Jerusalém na passagem anterior é o tópico do meu “Intruding ‘Spies’ and ‘Pseudo-brethren’: The Jewish Intra-Group Politics of Paul’s Jerusalem Meeting (Gal 2:1–10)”, em Paul and His Opponents, ed. Stanley E. Porter, Pauline Studies 2 (Leiden e Boston: Brill, 2005), 59–97.
[30] James D. G. Dunn, “The Incident at Antioch (Gal 2:11–18),” em The Galatians Debate: Contemporary Issues in Rhetorical and Historical Interpretation, ed. Mark D. Nanos (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2002), 225–30.
[31] Problemas de termilogia e definição são discutdias em Matt A. Jackson- McCabe, ed., Jewish Christianity Reconsidered: Rethinking Ancient Groups and Texts (Minneapolis: Fortress Press, 2007).
[32] Para a alternativa de “comensalidade”, consulte Magnus Zetterholm, “Purity and Anger: Gentiles and Idolatry in Antioch”, Interdisciplinary Journal of Research on Religion (2005): 1–24.
[33] Naturalmente, por uma variedade de razões, incluindo restrições locais, havia várias interpretações dos padrões haláquicos, dentro e fora da Judéia, e entre as comunidades em cada localidade. Dunn sustenta que os padrões em questão eram para os noéticos, o que diminui a questão do grau. No entanto, isso não altera a visão tradicional de que a questão era haláquica, relacionada com as leis que regem a preparação de alimentos. Também não funciona porque Paulo estava acusando Pedro de (implicitamente) obrigar a “judaizar”, não “noétizar”; veja meu “What Was at Stake?”, 282–318.
[34] Os comentaristas geralmente não diferenciam adequadamente entre a circuncisão, isto é, a conversão de prosélito, que tem a ver com a transformação da identidade, e a observância da Torá, que se aplica apenas aos judeus e àqueles que concluíram ou estão em processo de concluir a conversão de prosélitos. A circuncisão é para os filhos do sexo masculino de israelitas, escravos e estrangeiros que vivem entre eles, e para os não-israelitas que desejam se tornar israelitas. Sugiro que a metonímia de Paulo ergou nomou (“obras/ações da Lei”) denota “ritos da Torá”, especificamente, aquelas ações/ações envolvidas em um não-judeu se tornar um prosélito judeu.
[35] Uma posição minoritária sustenta que os “certos de Tiago”, embora vindos de Tiiago, deturparam suas políticas, ou talvez seus ideais; veja George Howard, Paul: Crisis in Galatia: A Study in Early Christian Theology SNTSMS 35, 2ª ed. (Cambridge e Nova York: Cambrid ge University Press, 1990).
[36] Existem alguns intérpretes que afirmam que Paulo permitiu que os judeus não engajados na missão gentia observassem a Torá plenamente, embora ele próprio não pudesse por causa de sua estreita afiliação com os gentios (por exemplo, Johnson Hodge, If Sons, Then Heirs, 123). Mas isso não se enquadra na lógica de Paulo, que se baseia em princípios. Ele ou acreditava que a observância da Torá ainda se aplicava aos judeus crentes em Cristo como parte da fidelidade à aliança, ou não; ele próprio estava empenhado em viver consistentemente e acusa Pedro precisamente por não o ter feito. O que os judeus crentes em Cristo deveriam fazer de acordo com os padrões de Paulo quando um gentio estava presente em suas congregações, independentemente de terem se engajado em uma missão gentia ativa levando a essa circunstância? A visão de consenso é que, como Paulo, que é entendido como “vivendo como um gentio” (interpretado como significando que ele não vive a Torá observantemente), qualquer judeu crente em Cristo deveria comprometer a Torá quando na companhia de Cristo — gentios crentes. cf. E. P. Sanders, Paul, the Law, and the Jewish People (Philadelphia: Fortress Press, 1985), 185–87.
[37] Nanos, “What Was at Stake?”, 312–16.
[38] Cfr. meu “O que estava em jogo?”, 306–12, onde contesto os argumentos de que ioudaïzein em geral, assim como aqui, refere-se apenas a comportar-se como um judeu, e não à conversão de prosélito. Também é importante notar que este verbo não significa comportamento missionário judeu, mas é um verbo reflexivo, denotando um não-judeu se tornando um judeu (ou se comportando como judeu). Em outras palavras, é sinônimo de referências ao prosélito, não àqueles que conduzem não-judeus nos ritos de conversão de prosélitos, ou de alguma forma procuram persuadir não-judeus a adotar tal curso de ação.
[39] Cfr. E. P. Sanders, “Jewish Association with Gentiles and Galatians 2:11–14,” em The Conversation Continues: Studies in Paul & John In Honor of J. Louis Martyn, eds. Robert T. Fortna e Beverly R. Gaventa (Nasville: Abingdon Press, 1990), 170–88; Paula Fredriksen, “Judaism, The Circumcision of Gentiles, and Apocalyptic Hope: An ther Look at Galatians 1 and 2”, em The Galatians Debate: Contemporary Issues in Rhetorical and Historical Interpretation, ed. Mark D. Nanos (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2002), 235–60.
[40] Nanos, “WHat Was at Stake?”, 304 n. 75.
[41] Com base no reconhecimento da lógica desta rota: se alguém adota a visão predominante de que Paulo era livre da Torá e os outros apóstolos eram observadores da Torá, então o caso de Philip F. Esler é convincente. Veja seu “Making and Breaking an Agreement Mediterranean Style: A New Reading of Galatians 2:1–14”, em The Galatians Debate: Contemporary Issues in Rhetorical and Historical Interpretation, ed. Mark D. Nanos (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2002), 261–81.
[42] Nanos, “Intruding ‘Spies’ and ‘Pseudo-brethren’”.
[43] Para o cenário e a mensagem de Gálatas, veja meu Irony of Galatians; e meu, “O Contexto Político Inter e Intra-Judaico da Carta de Paulo aos Gálatas”, em The Galatians Debate: Contemporary Issues in Rhetor ical and Historical Interpretation, ed. Mark D. Nanos (Peabody, Mass.: Hendrickson, 2002), 396–407.
[44] Cf. Nanos, Mistery of Romans, 50–57, 192–207.
[45] Essa observação também se aplica àqueles que definem esses dois grupos por suas diferentes origens socioeconômicas; cf. Gerd Thei ssen, The Social Setting of Pauline Christianity: Essays on Corinth, trad. John H. Schütz (Filadélfia: Fortress Press, 1982), 121–43.
[46] C. K. Barret ed. Essays on Paul (Philadelphia: Westminster Press, 1982), p. 50–52.
[47] Peter Richardson, “Pauline Inconsistency: 1 Corinthians 9:19–23 and Galatians 2:11–14”, New Testament Studies 26 (1979): 347 (347–62); Segal, Paul, 228, 229–40; Klinghoffer, Why the Jews Rejected Jesus, 106–10.
[48] Peter Richardson, “Pauline Inconsistency: 1 Corinthians 9:19–23 and Galatians 2:11–14,” New Testament Studies 26 (1979): 347 (347–62); Segal, Paul, 228, 229–40; Klinghoffer, Why the Jews Rejected Jesus, 106–10.
[49] Peter J. Tomson, Paul and the Jewish Law: Halakha in the Letters of the Apostle to the Gentiles , CRINT (Assen and Minneapolis: Van Gorcum and Fortress Press, 1990); Peter David Gooch, Dangerous Food: I Corinthians 8–10 in its Context , SCJ 5 (Waterloo, Ontario: Wilfrid Laurier Univers ity Press, 1993); Alex T. Cheung, Idol Food in Corinth: Jewish Background and Pauline Legacy, JSNT Sup 176 (Sheffield: Sheffield Academic Press , 1999); John Fotopoulos, Food Offered to Idols in Roman Corinth: A Social-rhetorical Reconsideration of 1 Corinthians 8:1–11:1 , WUNT 2.151 (Tübingen: Mohr Siebeck, 2003).
[50] “Polytheist Identity”; “Paul’s Relationship to Torah in Light of His Strategy ‘to Become Everything to Everyone’ (1 Corinthians 9 :19–23),” Interdisciplinary Academic Seminar: New Perspectives on Paul and the Jews, Katholieke Universiteit, Leuven, Belgium, September 14–15, 200 9, expõe este caso em detalhes.
[51] Paradoxalmente, as Escrituras banalizam os ídolos como não deuses e sem sentido, mas proscritos como demoníacos e perigosos para aqueles em aliança com o Deus Único (por exemplo, compare Dt 32:21 com vv. 16–17; Is 8:19 e 19:3 com os capítulos 40 e 44; cf. Sab 13–16; ver também Sl 106,3 6–39; 1 Enoque 19; Jubileus 11,4–6); outros deuses e senhores são implicitamente reconhecidos como existindo, embora sejam inferiores ao Deus de Israel, e não devem ser honrados pelos israelitas (Êx 15:11; 20:2–6; 22:28; Dt 4:19; 29 :26; 32:8–9; Sl 82:1; Miquéias 4:5; Tiago 2:19); imagens de outros deuses devem ser destruídas na Terra (Êx 23:24; Dt 7:5). Ver Tomson, Paul, 151–77, 208–20; Cheung, Idol Food, 39–81, 152–64, 300–1.
[52] Cf. Nanos, “Polytheist Identity”, para discussão completa da lógica para entender os asthenes (“fracos/deficientes”) “irmãos” como sendo idólatras não crentes em Cristo, e da preocupação da carta em ganhá-los para Cristo. Observe que os pais da Igreja continuaram a operar de acordo com esse entendimento de construir estranhos como família. Inácio (final do século I — início do século II) conclama seus destinatários a orar pelos estranhos à igreja e a se comportar como “irmãos/irmãs [adelphoi]” para eles, conforme expresso pela imitação de como Cristo viveu humildemente com seus próximos, incluindo a escolha de ser injustiçado em vez de fazê-lo (Ef. 10; cf. Mart. Pol. 1.2). E embora Crisóstomo (final do século 4) entendesse que os deficientes em 1 Coríntios 8–10 eram seguidores de Cristo, ele argumentou que, por motivos socioeconômicos, o cristão em sua própria audiência deveria considerar como irmão o companheiro de trabalho mais do que a elite ou ricos Cor. 117 [Homilia XX]). Para exemplos não-cristãos de preocupação com aqueles fora do próprio grupo filosófico, veja Epictetus, Diatr. 1.9.4–6; 1.13.4, sobre os cínicos em particular, Diatr. 3.22.81–82; Marco Aurélio, 2.1; 7.22; 9.22–23.
[53] Atos 15:20, 29; 21:25; Ap 2:14, 19–20; Didaquê 6.3; Inácio, Magn 8–10; Plínio, Cartas 10.96; Aristides, Apologia 15.4; 12; Justin, Disque. 34,8; 35.1–2; Tertuliano, Apol. 9.13–14; Cor. 10.4–7; 11.3; Espect. 13.2–4; Jejun. 2.4; 15,5; Seg. 5.3; Clemente, Strom. 4.15.97.3; Tomson, Paul, 177–86; Gooch, Dangerous Food, 122–27, 131–33; Cheung, Idol Food, 165–295; David Moshe Freidenreich, “Foreign Food: A Comparatively-enriched Analysis of Jewish, Christian, and Islamic Law” (Tese de Doutorado: Columbia University, 2006), 123–41. Barnabé 10.9, pode sugerir um grupo primitivo que come qualquer coisa, mas não é específico sobre comida idólatra; e veja Tertuliano, Apol. 42.1–5.
[54] Não está claro como a referência àqueles “debaixo da lei” difere de “judeus”, por exemplo. Talvez se refira aos prosélitos ou aos que representam padrões mais rígidos como os fariseus; alternativamente, pode se referir a estar sob as leis ou convenções romanas ou outras. Da mesma forma, não está claro se anomos se refere a judeus sem lei (talvez não praticantes), bem como a não-judeus, ou apenas a não-judeus, como se ele tivesse escrito xoris nomos (“sem lei”). Veja meu “ Paul’s Relationship to Torah” e “Paul and Judaism”.
[55] W. B. Stanford, The Ulysses Theme: A Study in the Adaptability of a Traditional Hero (Dallas: Spring Publications, 1992), 90–101.
[56] Para mais detalhes veja meu Mystery of Romans, 85–165; “The Jewish Context of the Gentile Audience Addressed in Paul’s Letter to the Romans,” CBQ 61 (1999): 283–304; e “A Rejoinder to Robert A. J. Gagnon’s ‘Why the “Weak” at Rome Cannot Be Non-Christian Jews’,”
[57] Note como Paulo trabalha em torno de dynatos em 15:1.
[58] Para mais explicações, veja meu “Broken Branches: A Pauline Metaphor Gone Awry? (Romans 11:11–36)”, em Romanos 9–11 na Interface Between the ‘New Perspective on Paul’ and Jewish-Christian Dialog (Göttingen, Deustch: 1 a 4 de maio de 2008; a ser publicado no próximo volume da conferência, eds. Ross Wagner e Florian Wilk; Tübingen: Mohr Siebeck; uma versão está disponível em http://www.marknanos.com/BrokenBranches-8 -1- 08.pdf); e Mystery of Romans , 239–88. Paulo se viu, como os profetas, engajado na restauração de Israel. Ele viu alguns de seus companheiros israelitas em um estado temporário de disciplina por desobedecer a essa afirmação da verdade. Eles estão “tropeçando”, mas não “caindo”, dentro da aliança de Israel, tendo a certeza dos dons e do chamado de Deus prometidos a seus pais (Rm 9:4–5; 11:25–29). No devido tempo, como resultado de seu ministério bem-sucedido entre as nações, Paulo afirma que elas passarão a compartilhar seu ponto de vista e serão restauradas a se manterem de pé. Tenho o prazer de dizer que Krister Stendahl abraçou meu argumento quando o ouviu pela primeira vez no Encontro Anual da Sociedade de Literatura Bíblica de 1998, agora disponível em “Challenging the Limits That Continue to Define Paul’s Perspective on Jews and Judaism”, em Reading Israel in Romans: Legitimacy and Plausibility of Divergent Interpretations eds. Cristina Grenholm and Daniel Patte, Romans through History and Culture Series (Harrisburg, Penn.: Trinity Press International, 2000), 217–29.
[59] O nível de fé de Abraão é descrito em termos semelhantes em 4:18–20.
[60] Sifra Aharei 93d; Gen. R. 44.1; Lev. R. 13.3; I. Grunfeld, The Jewish Dietary Laws (2vols.; London and New York: Soncino Press, 1972), 5, 12–19, 28–29; Tomson, Paul, 249.